sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A carta roubada, Edgar Allan Poe


Nil  sapientiae odiosus acumine nimio.
Sêneca
 

Em Paris, justamente depois de escura e tormentosa noite, no outono do ano 18..., desfrutava eu do duplo luxo da meditação e de um cachimbo feito de espuma-do-mar, em companhia de meu amigo Auguste Dupin, em sua pequena biblioteca, ou gabinete de leitura, situado no ter­ceiro andar da Rua Dunôt, 33, Faubourg Saint-Germain. Durante uma hora, pelo menos, mantínhamos profundo silêncio; cada um de nós, aos olhos de algum observador casual, teria parecido intensa e exclusivamente ocupado com as volutas de fumaça que tornavam densa a atmosfera do aposento. Quanto a mim, no entanto, discutia mentalmente certos tópicos que haviam constituído o assunto da conversa entre nós na primeira parte da noite. Retiro-me ao caso da Rua Morgue e ao mistério que envolvia o assassínio de Marie Rogêt. Pareceu-me, pois, quase que uma coincidência, quando a porta de nosso apartamento se abriu e entrou o nosso velho conhecido, Monsieur G..., delegado de polícia de Paris.
Recebemo-lo com cordialidade, pois havia nele tanto de desprezível como de divertido, e não o víamos havia já vários anos. Tínhamos estado sentados no escuro e, a entrada do visitante, Dupin se ergueu para acender a luz, mas sentou-se de novo sem o fazer, depois que G... nos disse que nos visitava para consultar-nos, ou melhor, para pedir a opinião de meu amigo sobre alguns casos oficiais que lhe haviam causado grandes transtornos.
         — Se se trata de um caso que requer reflexão — disse Dupin —, desistindo de acender a mecha, será melhor examinado no escuro.
    — Esta é outra de suas estranhas idéias — comentou o delegado, que tinha o costume de 'chamar "estranhas" to­das as coisas que estavam além de sua compreensão e que, desse modo, vivia em meio de uma legião inteira de “estranhezas”.
— Exatamente — disse Dupiu, enquanto oferecia um cachimbo ao visitante e empurrava para junto dele uma confortável poltrona.
    — E qual é agora a dificuldade? — perguntei. — Espero que não seja nada que se refira a assassínios.
    — Oh, não! Nada disso! Trata-se, na verdade, de um caso muito simples, e não tenha dúvida de que podemos resolvê-lo satisfatoriamente. Mas, depois, pensei que Du­pin talvez gostaria de conhecer alguns de seus pormeno­res, que são bastante estranhos.
    — Um caso simples e estranho — comentou Dupin.
— Sim, realmente; mas por outro lado, não é nem uma coisa nem outra. O fato é que todos nós ficamos muito intrigados, pois, embora tão simples, o caso escapa intei­ramente a nossa compreensão.
    — Talvez seja a sua própria simplicidade que os deso­rienta — disse o meu amigo.
    — Ora, que tolice — exclamou o delegado, rindo cor­dialmente.
    — Talvez o mistério seja um pouco simples demais — disse Dupin.
    — Oh, Deus do céu! Quem já ouviu tal coisa?
    — Um pouco evidente demais.
O  delegado de polícia prorrompeu em sonora gargalha­da, divertindo-se a valer:
    — Oh, Dupin, você ainda acaba por me matar de riso!
    — E qual é, afinal de contas, o caso em apreço? — per­guntei.
    — Pois eu lhes direi — respondeu o delegado, refeste­lando-se na poltrona, enquanto tirava longa e meditativa baforada do cachimbo. — Direi tudo em poucas palavras; mas, antes de começar, permitam-me recomendar que este caso exige o maior sigilo. Perderia, provavelmente, o lugar que hoje ocupo, se soubessem que eu o confiei a alguém.
    — Continue — disse eu.
   Ou não diga nada — acrescentou Dupin.
    — Bem. Recebi informações pessoais, de fonte muito elevada, de que certo documento da máxima importância foi roubado dos aposentos reais. Sabe-se quem foi a pessoa que o roubou. Quanto a isso, não há a menor dúvida; viram-na apoderar-se dele. Sabe-se, também, que o docu­mento continua em poder da referida pessoa.
         —  Como se sabe disso? — indagou Dupin.
    — É coisa que se deduz claramente — respondeu o delegado — pela natureza de tal documento e pelo fato de não terem surgido certas conseqüências que surgiriam incontinente, se o documento não estivesse ainda em poder do ladrão, isto é, se já houvesse sido utilizado com o fim que este último se propõe.
    — Seja um pouco mais explícito — pedi.
    — Bem, atrevo-me a dizer que esse documento dá a quem o possua um certo poder, num meio em que tal poder é imensamente valioso.
O  delegado apreciava muito as tiradas diplomáticas.
    — Ainda não entendo bem — disse Dupin.
    — Não? Bem. A exibição desse documento a uma ter­ceira pessoa, cujo nome não mencionarei, comprometeria a honra de uma personalidade da mais alta posição, e tal fato concede à pessoa que possui o documento ascendên­cia sobre essa personalidade ilustre, cuja honra e tranqüi­lidade se acham, assim, ameaçadas.
    — Mas essa ascendência — intervim — depende de que o ladrão saiba que a pessoa roubada o conhece. Quem se atreveria.
     — O ladrão — disse G... — é o Ministro D..., que se atreve a tudo, tanto o que é digno como o que é indig­no de um homem. O roubo foi cometido de modo não só engenhoso como ousado. O documento em questão... uma carta, para sermos francos, foi recebida pela personalidade roubada quando esta se encontrava a sós em seus aposen­tos. Quando a lia, foi subitamente interrompida pela entrada de outra personalidade de elevada posição, de quem desejava particularmente ocultar a carta. Após tentar às pressas, e em vão, metê-la numa gaveta, foi obrigada a  colocá-la, aberta como estava, sobre uma mesa. O sobrescrito, porém, estava em cima e o conteúdo, por conseguin­te, ficou resguardado. Nesse momento, entra o Ministro D... Seus olhos de lince percebem imediatamente a carta, e ele reconhece a letra do sobrescrito, observa a confusão da destinatária e penetra em seu segredo. Depois de tratar de alguns assuntos, na sua maneira apressada de sempre, tira do bolso uma carta parecida com a outra em questão, abre-a, finge lê-la e, depois, coloca-a bem ao lado da primeira. Torna a conversar, durante uns quinze minutos, sobre assuntos públicos. Por fim, ao retirar-se, tira de cima da mesa a carta que não lhe pertencia. Seu verdadeiro dono viu tudo, certamente, mas não ousou chamar-lhe a atenção em presença da terceira personagem, que se achava ao seu lado. O ministro retirou-se, deixando sua carta — uma carta sem importância — sobre a mesa.
          — Aí tem você — disse-me Dupin — exatamente o que seria necessário para tornar completa tal ascendência: o ladrão sabe que a pessoa roubada o conhece.
          — Sim — confirmou o delegado — e o poder conseguido dessa maneira tem sido empregado, há vários meses, para fins políticos, até um ponto muito perigoso. A pessoa roubada esta cada dia mais convencida de que é ne­cessário reaver a carta. Mas isso, por certo, não pode ser feito abertamente. Por fim, levada ao desespero, encarregou-me dessa tarefa.­
    — Não lhe teria sido possível, creio eu — disse Dupin, em meio a uma perfeita espiral de fumaça —, escolher ou sequer imaginar um agente mais sagaz.
    — Você me lisonjeia — respondeu o delegado —, mas é possível que haja pensado mais ou menos isso.
    — Está claro, como acaba de observar — disse eu —, que a carta se encontra ainda em poder do ministro, pois é a posse da carta, e não qualquer emprego da mesma, que lhe confere poder. Se ele a usar, o poder se dissipa.
    — Certo — concordou G... — e foi baseado nessa convicção que principiei a agir. Meu primeiro cuidado foi realizar uma pesquisa completa no hotel em que mora o ministro. A principal dificuldade reside no fato de ser ne­cessário fazer tal investigação sem que ele saiba.  Além disso preveniram-me do perigo, caso ele venha a suspeitar de nosso propósito.
    — Mas — disse eu — o senhor está perfeitamente a par dessas investigações. A polícia parisiense já fez isso muitas vezes, anteriormente.
     — É verdade. Por essa razão, não desesperei. Os hábi­tos do ministro me proporcionam, sobretudo, uma grande vantagem. Com freqüência, passa a noite toda fora de casa. Seus criados não são numerosos. Dormem longe do apar­tamento de seu amo e, como quase todos são napolitanos, não é difícil fazer com que se embriaguem. Como sabe, tenho chaves que podem abrir qualquer aposento ou gabi­nete em Paris. Durante três meses, não houve uma noite sequer em que eu não me empenhasse, pessoalmente em esquadrinhar o Hotel D... Minha honra está em jogo e, para mencionar um grande segredo, a recompensa é enor­me. De modo que não abandonarei as pesquisas enquanto não me convencer inteiramente de que o ladrão é mais astuto do que eu. Creio haver investigado todos os cantos e esconderijos em que o papel pudesse estar oculto.
    — Mas não seria possível — lembrei — que, embora a carta possa estar em poder do ministro, como indiscuti­velmente está, ele a tenha escondido em outro lugar que sua própria casa?
    — É pouco provável — respondeu Dupin. - A si­tuação atual, particularíssima, dos assuntos da corte e principalmente as intrigas em que, como se sabe, D... anda envolvido, fazem da eficácia imediata do documen­to — da possibilidade de ser apresentado a qualquer mo­mento — um ponto quase tão importante quanto a sua posse.
    — A possibilidade de ser apresentado? — perguntei.
    — O que vale dizer, de ser destruído — disse Dupin.
    — É certo — observei. — Não há dúvida de que o documento se encontra nos aposentos do ministro. Quan­to a estar consigo próprio, guardado em seus bolsos, é coisa que podemos considerar como fora da questão.
    — De acordo — disse o delegado. Por duas vezes, já fiz com que fosse revistado, sob minhas próprias vistas, por batedores de carteiras.
    — Podia ter evitado todo esse trabalho — comentou Dupin. — D..., creio eu, não é inteiramente idiota e, assim, deve ter previsto, como coisa corriqueira, essas “revistas”.
    — Não é inteiramente tolo — disse G... —, mas é poeta, o que o coloca não muito distante de um tolo.
          — Certo — assentiu Dupin, após longa e pensativa ba­forada de seu cachimbo —, embora eu também seja cul­pado de certos versos.
    — Que tal se nos contasse, com pormenores. como se processou a busca? — sugeri.
    — Pois bem. Examinamos, demoradamente, todos os cantos. Tenho longa experiência dessas coisas. Vasculha­mos o edifício inteiro, quarto por quarto, dedicando as noites de toda uma semana a cada um deles. Examinamos, primeiro, os móveis de cada aposento. Abrimos todas as gavetas possíveis, e presumo que os senhores saibam que, para um agente de polícia devidamente habilitado, não existem gavetas secretas. Seria um bobalhão aquele que permitisse que uma gaveta "secreta" escapasse à sua obser­vação numa pesquisa como essa. A coisa é demasiado sim­ples. Há um certo tamanho — um certo espaço — que se deve levar em conta em cada escrivaninha. Além disso, dispomos de regras precisas. Nem a qüinquagésima parte de uma linha nos passaria despercebida. Depois das mesas de trabalho, examinamos as cadeiras. As almofadas foram submetidas ao teste das agulhas. que os senhores já me viram empregar. Removemos a parte superior das mesas.
    — Para quê?
    — As vezes, a parte superior de uma mesa, ou de outro móvel semelhante, é removida pela pessoa que deseja ocultar um objeto; depois, a perna é escavada, o objeto depositado dentro da cavidade e a parte superior recolocada em seu lugar. Os pés e a parte superior das colunas das camas são utilizados para o mesmo fim.
         — Mas não se poderia descobrir a parte oca por meio de som? — perguntei.
    — De modo algum, se quando o objeto lá colocado for envolto por algodão. Além disso, em nosso caso, somos obrigados a agir sem fazer barulho.
     — Mas o senhor não poderia ter removido. . . não pode­ria ter examinado, peça por peça, todos os móveis em que teria sido possível ocultar alguma coisa da maneira a que se referiu. Uma carta pode ser transformada em minúscula espiral, não muito diferente, em forma e em volume, de uma agulha grande de costura e, desse modo, pode ser introdu­zida na travessa de uma cadeira, por exemplo. Natural­mente, o senhor não desmontou todas as cadeiras, não é verdade?
     — Claro que não. Mas fizemos melhor: examinamos as travessas de todas as cadeiras existentes no hotel e, tam­bém, as juntas de toda a espécie de móveis. Fizemo-lo com a ajuda de poderoso microscópio. Se houvesse sinais de alterações recentes, não teríamos deixado de notar ime­diatamente. Um simples grão de pó de verruma, por exem­plo, teria sido tão evidente como uma maçã. Qualquer alteração na cola — qualquer coisa pouco comum nas junturas — seria o bastante para chamar-nos a atenção.
     — Presumo que examinaram os espelhos, entre as tá­buas e os vidros, bem como as camas, as roupas de cama, as cortinas e os tapetes.
     — Naturalmente! E, depois de examinar desse modo, com a máxima minuciosidade, todos os móveis, passamos a examinar a própria casa. Dividimos toda a sua superfí­cie em compartimentos, que eram por nós numerados, a fim de que nenhum pudesse ser esquecido. Depois, vascu­lhamos os aposentos palmo a palmo, inclusive as duas casas contíguas. E isso com a ajuda do microscópio, como antes.
     — As duas casas contíguas?! — exclamei. — Devem ter tido muito trabalho!
    — Tivemos. Mas a recompensa oferecida é, como já disse, muito grande.
    — Incluíram também os terrenos dessas casas?
     — Todos os terrenos são revestidos de tijolos. Deram-nos, relativamente, pouco trabalho. Examinamos o musgo existente entre os tijolos, verificamos que não havia ne­nhuma alteração.
    — Naturalmente, olharam também os papéis de D. . . E os livros da biblioteca?
    — Sem dúvida. Abrimos todos os pacotes e embrulhos, e não só abrimos todos os volumes, mas os folheamos pá­gina por página, sem que nos contentássemos com uma simples sacudida, como é hábito entre alguns de nossos policiais. Medimos também a espessura de cada encader­nação, submetendo cada uma delas ao mais escrupuloso exame microscópico. Se qualquer encadernação apresen­tasse sinais de que havia sofrido alteração recente, tal fato não nos passaria despercebido. Quanto a uns cinco ou seis volumes, recém-chegados das mãos do encadernador, fo­ram por nós cuidadosamente examinados, em sentido lon­gitudinal, por meio de agulha.
     — Verificaram os assoalhos, embaixo dos tapetes?
     — Sem dúvida. Tiramos todos os tapetes e examinamos as tábuas do assoalho com o microscópio.
    — E o papel das paredes?
    — Também.
    — Deram uma busca no porão?
— Demos.
    — Então — disse eu — os senhores se enganaram, pois a carta não está na casa, como o senhor supõe.
     — Temo que o senhor tenha razão quanto a isso, con­cordou o delegado. E agora Dupin, que é que aconselharia fazer?
    Uma nova e completa investigação na casa.
— Isso é inteiramente inútil — replicou G. . . — Não estou tão certo de que respiro como de que a carta não está no hotel.
    — Não tenho melhor conselho para dar-lhe — disse Dupin. — O senhor, naturalmente, possui uma descrição precisa da carta, não e assim?
    — Certamente!
E, aqui, tirando do bolso um memorando, o delegado de polícia pôs-se a ler, em voz alta, uma descrição minuciosa do aspecto interno e, principalmente, externo do docu­mento roubado. Logo depois de terminar a leitura, partiu muito mais deprimido do que eu jamais o vira antes.
Decorrido cerca de um mês, fez-nos outra visita, e encontrou-nos entregues à mesma ocupação que na vez ante­rior. Apanhou um cachimbo e uma poltrona e passou a conversar sobre assuntos corriqueiros. Por fim, perguntei:
     — Então, Monsieur G. . . , que nos diz da carta rou­bada? Suponho que se convenceu, afinal, de que não é coisa simples ser mais astuto que o ministro.
     — Que o diabo carregue o ministro! — exclamou.
 Sim, realizei, apesar de tudo, um novo exame, como Dupin sugeriu. Mas trabalho perdido, como eu sabia que seria.
     — Qual foi a recompensa oferecida, a que se referiu? — indagou Dupin.
     — Ora, uma recompensa muito grande . . . muito generosa. . . Mas não me agrada dizer quanto, precisamente. Direi, no entanto, que não me importaria de dar, de meu cheque cinqüenta mil francos a quem conseguisse obter essa carta. A verdade é que ela se torna, a cada dia que passa, mais importante. . . e a recompensa foi, ultimamen­te, dobrada. Mas, mesmo que fosse triplicada, eu não poderia fazer mais do que já fiz.
     — Pois sim — disse Dupin, arrastando as palavras, entre as baforadas de seu cachimbo de espuma —, real­mente.   Parece-me. . . no entanto. . . G. . . que não se esforçou ao máximo quanto a este assunto. . . Creio que poderia fazer um pouco mais, bem?
    —  Como? De que maneira?
    — Ora (baforada), poderia (baforada) fazer uma consulta sobre este assunto, hein? (baforada). Lembra-se da história que se conta a respeito de Abernethy?

     — Não. Que vá para o diabo Abernethy!
     — Sim, que vá para o diabo e seja bem recebido! Mas, certa vez, um avarento rico concebeu a idéia de obter de graça uma consulta de Ahernethy. Com tal fim, durante uma conversa entre um grupo de amigos, insinuou o seu caso ao médico, como se se tratasse do caso de um indi­víduo imaginário.
    —  “Suponhamos” — disse o avaro — que seus sinto­mas sejam tais e tais. Nesse caso, que é que o doutor lhe aconselharia tomar?"
    — ”Tomar! Aconselharia, claro, que tomasse um conselho."
    — Mas —  disse o delegado, um tanto desconcertado — estou inteiramente disposto a ouvir um conselho e a pagar por ele. Daria, realmente, cinqüenta mil francos a quem quer que me ajudasse nesse assunto.
     — Nesse caso —  respondeu Dupin, abrindo uma gaveta e retirando um livro de cheques —  pode encher um cheque nessa quantia. Quando o houver assinado, eu lhe entregarei
a carta.
Fiquei perplexo. O delegado parecia fulminado por um raio. Durante alguns minutos, permaneceu mudo e imóvel, olhando, incrédulo e boquiaberto, o meu amigo, com os olhos quase a saltar-lhe das órbitas. Depois, parecendo voltar, de certo modo, a si, apanhou uma caneta e, após várias pausas e olhares vagos, preencheu, finalmente, um cheque de cinqüenta mil francos, entregando-o, por cima da mesa, a Dupin. Este o examinou cuidadosamente e o colocou na carteira; depois, abrindo uma escrivaninha, tirou dela uma carta e entregou-a ao delegado de polícia. O funcionário apanhou-a tomado como que de um espasmo de alegria. abriu-a com mãos trêmulas, lançou rápido olhar ao seu conteúdo e, depois, agarrando a porta e lutando por abri-la, precipitou-se, por fim, sem a menor cerimônia, para fora do apartamento e da casa, sem proferir uma única palavra desde o momento em que Dupin lhe pediu para preencher o cheque.
Depois de sua partida, meu amigo entrou em algumas explicações.
    — A polícia parisiense —  disse ele —  é extremamente hábil á sua maneira. Seus agentes são perseverantes, enge­nhosos, astutos e perfeitamente versados nos conhecimentos que seus deveres parecem exigir de modo especial. Assim, quando G . . . nos contou, pormenorizadamente, a maneira pela qual realizou suas pesquisas no Hotel D . . ., não tive dúvida de que efetuara uma investigação satisfatória . . . até o ponto a que chegou o seu trabalho.
    — Até o ponto a que chegou o seu trabalho? — per­guntei.
    — Sim — respondeu Dupin. — As medidas adotadas não foram apenas as melhores que poderiam ser tomadas, mas realizadas com absoluta perfeição. Se a carta estivesse depositada dentro do raio de suas investigações, esses rapazes, sem dúvida, a teriam encontrado.
Ri, simplesmente — mas ele parecia haver dito tudo aquilo com a máxima seriedade.
     — As medidas, pois — prosseguiu —, eram boas em seu gênero, e foram bem executadas: seu defeito residia em serem inaplicáveis ao caso e ao homem em questão. Um certo conjunto de recursos altamente engenhosos é, para o delegado, uma espécie de leito de Procusto, ao qual procura adaptar à força todos os seus planos. Mas, no caso em apreço, cometeu uma série de erros, por ser dema­siado profundo ou demasiado superficial, e muitos colegiais raciocinam melhor do que ele. Conheci um garotinho de oito anos cujo êxito como adivinhador, no jogo de "par ou ímpar", despertava a admiração de todos. Este jogo é simples e se joga com bolinhas de vidro. Um dos partici­pantes fecha na mão algumas bolinhas e pergunta ao outro se o número é par ou ímpar. Se o companheiro acerta, ganha uma bolinha; se erra, perde uma. O menino a que me refiro ganhou todas as bolinhas de vidro da escola. Natu­ralmente, tinha um sistema de adivinhação que consistia na simples observação e no cálculo da astúcia de seus opo­nentes. Suponhamos, por exemplo, que seu adversário fosse um bobalhão que, fechando a mão, lhe perguntasse: "Par ou ímpar?" Nosso garoto responderia "ímpar", e perderia; mas, na segunda vez, ganharia, pois diria com os seus botões: "Este bobalhão tirou par na primeira vez, e sua astúcia é apenas suficiente para que apresente um número ímpar na segunda vez. Direi, pois, ímpar". Diz ímpar e ganha. Ora, com um simplório um pouco menos tolo que o primeiro, ele teria raciocinado assim: "Este sujeito viu que, na primeira vez, eu disse ímpar e, na segunda, proporá a si mesmo, levado por um impulso a variar de ímpar para par, como fez o primeiro simplório; mas, pensando melhor, acha que essa variação é demasiado simples, e, finalmente, resolve-se a favor do par, como antes. Eu, por conseguinte, direi par”. E diz par, e ganha. Pois bem. Esse sistema de raciocínio de nosso colegial, que seus companheiros chamavam sorte, o que era, em última análise?
          — Simplesmente — respondi — uma identificação do intelecto do nosso raciocinador com o do seu oponente.
          — De fato — assentiu Dupin — e, quando perguntei ao menino de que  modo efetuava essa perfeita identificação, na qual residia o teu êxito, recebi a seguinte resposta:
"Quando quero saber até que ponto alguém é inteligente, estúpido, bom ou mau, ou quais são os seus pensamentos no momento, modelo a expressão de meu rosto, tão exata­mente quanto possível, de acordo com a expressão da refe­rida pessoa e, depois, espero para ver quais os sentimentos ou pensamentos que surgem em meu cérebro ou em meu coração, para combinar ou corresponder à expressão”. Essa resposta do pequeno colegial supera em muito toda a
profundidade espúria atribuída a Rochefoucauld, La Bou­give, Maquiavel e Campanella.
          — E a identificação — acrescentei — do intelecto do raciocinador com o de seu oponente depende, se é que o compreendo bem, da exatidão com que o intelecto deste último é medido.
          — Em sua avaliação prática, depende disso — confir­mou Dupin. — E, se o delegado e toda a sua corte têm cometido tantos enganos, isso se deve, primeiro, a uma falha nessa identificação e, segundo, a uma apreciação inexata, ou melhor, a uma não apreciação da inteligência daqueles com quem se metem. Consideram engenhosas apenas as suas próprias idéias e, ao procurar alguma coisa que se ache escondida, não pensam senão nos meios que eles próprios teriam empregado para escondê-la. Estão certos apenas num ponto: naquele em que sua engenhosidade representa fielmente a da massa; mas, quando a astúcia do mal-feitor é diferente da deles, o malfeitor, naturalmente, os engana. Isso sempre acontece quando a astúcia deste último está acima da deles e, muito freqüentemente, quando está abaixo. Não variam seu sistema de investigação; na melhor das hipóteses, quando são instigados por algum caso insó­lito, ou por alguma recompensa extraordinária, ampliam ou exageram os seus modos de agir habituais, sem que se afastem, no entanto, de seus princípios. No caso de D. . ., por exemplo, que fizeram para mudar sua maneira de agir? Que são todas essas perfurações, essas buscas, essas sonda­gens, esses exames de microscópio, essa divisão da superfície do edifício em polegadas quadradas, devidamente ano­tadas? Que é tudo isso senão exagero na aplicação de um desses princípios de investigação baseados sobre uma ordem de idéias referentes à esperteza humana, à qual o delegado se habituou durante os longos anos de exercício de suas funções? Não vê você que ele considera como coisa assente o fato de que todos os homens que procuram esconder uma carta utilizam, se não precisamente um orifício feito a verruma na perna de uma cadeira, pelo menos alguma cavidade, algum canto escuro sugerido pela mesma ordem de idéias que levaria um homem a furar a perna de uma cadeira? E não vê também que tais esconderijos tão re­cherchés só são empregados em ocasiões ordinárias e por inteligências comuns? Porque, em todos os casos de objetos escondidos, essa maneira recherché de ocultar-se um objeto é, desde o primeiro momento, presumível e presumida — e, assim, sua descoberta não depende, de modo algum, da perspicácia, mas sim do simples cuidado, da paciência e da determinação dos que procuram. Mas, quando se trata de um caso importante — ou de um caso que, pela recom­pensa oferecida, seja assim encarado pela polícia — jamais essas qualidades deixaram de ser postas em ação. Você compreenderá, agora, o que eu queria dizer ao afirmar que, se a carta roubada tivesse sido escondida dentro do raio de investigação do nosso delegado — ou, em outras palavras, se o princípio inspirador estivesse compreendido nos princípios do delegado —, sua descoberta seria uma questão inteiramente fora de dúvida. Este funcionário, porém, se enganou por completo, e a fonte remota de seu fracasso reside na suposição de que o ministro é um idiota, pois adquiriu renome de poeta. Segundo o delegado, todos os poetas são idiotas — e, neste caso, ele é apenas culpado de uma non distributio medii, ao inferir que todos os poetas são idiotas.
     — Mas ele é realmente poeta? — perguntei. — Sei que são dois irmãos, e que ambos adquiriram renome nas letras. O ministro, creio eu, escreveu eruditamente sobre o cálculo diferencial. É um matemático, e não um poeta.
     — Você está enganado. Conheço-o bem. E ambas as coisas. Como poeta e matemático, raciocinaria bem; como mero matemático, não raciocinaria de modo algum, e ficaria, assim, à mercê do delegado.
     — Você me surpreende — respondi — com essas opi­niões, que têm sido desmentidas pela voz do mundo. Natu­ralmente, não quererá destruir, de um golpe, idéias ama­durecidas durante tantos séculos. A razão matemática é há muito considerada como a razão par excellence.
    — “Il y a à parier” — replicou Dupin, citando Cham­fort — “que toute idée publique, toute convention reçue, est une sottise, car elle a convenu au plus grande nombre.” Os matemáticos, concordo, fizeram tudo o que lhes foi possível para propagar o erro popular a que você alude, e que, por ter sido promulgado como verdade, não deixa de ser erro. Como uma arte digna de melhor causa, ensina­ram-nos a aplicar o termo "análise" às operações algébri­cas. Os franceses são os culpados originários desse engano particular, mas, se um termo possui alguma importância — se as palavras derivam seu valor de sua aplicabilidade —, então análise poderá significar algebra, do mesmo modo que, em latim, ambitus significa ambição, religio, religião, ou homines honesti um grupo de homens honrados.
     — Vejo que você vai entrar em choque com alguns algebristas de Paris — disse-lhe eu. — Mas prossiga.
    — Impugno a validez e, por conseguinte, o valor de uma razão cultivada por meio de qualquer forma especial que não seja a lógica abstrata. Impugno, de modo parti­cular, o raciocínio produzido pelo estudo das matemáticas. As matemáticas são a ciência da forma e da quantidade; o raciocínio matemático não é mais do que a simples lógica aplicada à observação da forma e da quantidade. O grande erro consiste em supor-se que até mesmo as verdades daquilo que se chama álgebra pura são verdades abstratas ou gerais. E esse erro é tão grande, que fico perplexo diante da unanimidade com que foi recebido. Os axiomas matemáticos não são axiomas de uma verdade geral. O que é verdade com respeito à relação — de forma ou quantidade — é, com freqüência grandemente falso quanto ao que respeita à moral, por exemplo. Nesta última ciência, não é, com freqüência, verdade que a soma das partes seja igual ao todo. Na química, também falha o axioma. Na apreciação da força motriz, também falha, visto que dois motores, cada qual de determinada potência, não possuem necessariamente, quando associados, uma potência igual à soma de suas duas potências tornadas separadamente. Há numerosas outras verdades matemáticas que são somente verdades dentro dos limites da relação. Mas o matemático argumenta, por hábito, partindo de suas verdades finitas, como se estas fossem de uma aplicabili­dade absoluta e geral — como o mundo, na verdade, ima­gina que sejam. Bryant, em sua eruditíssima Mitologia, refere-se a uma fonte análoga de erro, ao dizer que, "embora ninguém acredite nas fábulas do paganismo, nós, com freqüência, esquecemos isso, até o ponto de fazer inferên­cia partindo delas, como se fossem realidades vivas". Entre os algebristas, porém, que são, também eles, pagãos as "fábulas pagãs" merecem crédito, e tais inferências são feitas não tanto devido a lapsos de memória, mas devido a um incompreensível transtorno em seus cérebros. Em suma, não encontrei jamais um matemático puro cm quem pudesse ter confiança, fora de suas raízes e de suas equa­ções; não conheci um único sequer que não tivesse como artigo de fé que x2 + px é absoluta e incondicionalmente igual a q. Se quiser fazer uma experiência, diga a um desses senhores que você acredita que possa haver casos em que x2+ px não seja absolutamente igual a q, e, logo depois de ter-lhe feito compreender o que você quer dizer com isso, fuja de suas vistas o mais rapidamente possível, pois ele, sem dúvida, procurará dar-lhe uma surra.
    — O que quero dizer — continuou Dupin, enquanto eu não fazia senão rir-me destas últimas observações — é que, se o ministro não fosse mais do que um matemático, o delegado de polícia não teria tido necessidade de dar-me este cheque. Eu o conhecia, porém, como matemático e poeta, e adaptei a essa sua capacidade as medidas por mim tomadas, levando em conta as circunstâncias em que ele se achava colocado. Conhecia-o, também, não só como homem da corte, mas, ainda, como intrigante ousado. Tal homem, pensei, não poderia ignorar a maneira habitual de agir da polícia. Devia ter previsto — e os acontecimentos demonstraram que, de fato, previra — os assédios disfar­çados a que estaria sujeito. Devia também ter previsto, refleti, as investigações secretas efetuadas em seu aparta­mento. Suas freqüentes ausências de casa, à noite, conside­radas pelo delegado de polícia como coisa que viria con­tribuir, sem dúvida, para o êxito de sua empresa, eu as encarei apenas como astúcia, para que a polícia tivesse oportunidade de realizar urna busca completa em seu apar­tamento e convencer-se, o mais cedo possível, como de fato aconteceu, de que a carta não estava lá. Pareceu-me, tam­bém, que toda essa série de idéias referentes aos princípios invariáveis da ação policial nos casos de objetos escondidos, e que tive certa dificuldade, há pouco, para explicar-lhe, pareceu-me que toda essa série de idéias deveria, neces­sariamente, ter passado pelo espírito do ministro. Isso o levaria, imperativamente. a desdenhar todos os esconderi­jos habituais. Não poderia ser tão ingênuo que deixasse de ver que os lugares mais intrincados e remotos de seu hotel seriam tão visíveis como um armário para os olhos, as pesquisas, as verrumas e os microscópios do delegado. Percebi, em suma, que ele seria levado, instintivamente, a agir com simplicidade, se não fosse conduzido a isso por simples deliberação. Você talvez se recorde com que gar­galhadas desesperadas o delegado acolheu, em nossa pri­meira entrevista, a minha sugestão de que era bem possível que esse mistério o perturbasse tanto devido ao fato de ser demasiado evidente.
    — Sim, lembro-me bem de como ele se divertiu. Pensei mesmo que ele iria ter convulsões de tanto rir.
    — O mundo material — prosseguiu Dupin — contém muitas analogias estritas com o imaterial e, desse modo, um certo matiz de verdade foi dado ao dogma retórico, a fim de que a metáfora, ou símile, pudesse dar vigor a um argumento, bem como embelezar uma descrição. O princípio da vis inertiae, por exemplo, parece ser idêntico tanto na física como na metafísica. Não é menos certo quanto ao que se refere à primeira, que um corpo volu­moso se põe em movimento com mais dificuldade do que um pequeno, e que o seu momentum subseqüente está em proporção com essa dificuldade, e que, quanto à segunda, os intelectos de maior capacidade, conquanto mais poten­tes, mais constantes e mais acidentados em seus movimen­tos do que os de grau inferior, são, não obstante, mais lentos, mais embaraçados e cheios de hesitação ao iniciar seus passos. Mais ainda: você já notou quais são os anún­cios, nas portas das lojas, que mais atraem a atenção?
    — Jamais pensei no assunto — respondi.
    — Há um jogo de enigmas — replicou ele — que se faz sobre um mapa. Um dos jogadores pede ao outro que encontre determinada palavra — um nome de cidade, rio, Estado ou império —, qualquer palavra, em suma, com­preendida na extensão variegada e intrincada do mapa. Um novato no jogo geralmente procura embaraçar seus adversários indicando nomes impressos com as letras me­nores; mas os acostumados ao jogo escolhem palavras que se estendem, em caracteres grandes, de um lado a outro do mapa. Estes últimos, como acontece com os car­tazes excessivamente grandes existentes nas ruas, escapam à observação justamente por serem demasiado evidentes, e aqui o esquecimento material é precisamente análogo à desatenção moral que faz com que o intelecto deixe passar despercebidas considerações demasiado palpáveis, dema­siado patentes. Mas esse é um ponto, ao que parece, que fica um tanto acima ou um pouco abaixo da compreensão do delegado. Ele jantais achou provável, ou possível, que o ministro houvesse depositado a carta bem debaixo do nariz de toda a gente a fim de evitar que alguma daquela gente a descobrisse.
    — Mas, quanto mais refletia eu sobre a temerária, arro­jada e brilhante idéia de D. . . pensando no fato de que ele devia ter sempre esse documento à mão, se é que pretendia empregá-lo com êxito e, ainda, na evidência deci­siva conseguida pelo delegado de que a carta não se achava escondida dentro dos limites de uma investigação ordi­nária, tanto mais me convencia de que, para ocultá-la, o ministro lançara mão do compreensível e sagaz expediente de não tentar escondê-la de modo algum.
"Convencido disso, muni-me de óculos verdes e, uma bela manhã, como se o fizesse por simples acaso, procurei o ministro em seu apartamento. Encontrei D. . .    em casa, bocejando, vadiando e perdendo tempo como sempre, e pretendendo estar tomado do mais profundo ennui. Ele é, talvez, o homem mais enérgico que existe, mas isso unicamente quando ninguém o vê.
"Para estar de acordo com o seu estado de espírito, queixei-me de minha vista fraca e lamentei a necessidade de usar óculos, através dos quais examinava, com a máxima atenção e minuciosidade, o apartamento, enquanto fingia estar atento unicamente á conversa.
"Prestei atenção especial a uma ampla mesa, junto à qual ele estava sentado e onde se viam, em confusão, várias cartas e outros papéis bem como um ou dois instrumentos musicais e alguns livros. Depois de longo e meticuloso exame, vi que ali nada existia que despertasse, particular­mente, qualquer suspeita.
"Por fim, meus olhos, ao percorrer o aposento, depara­ram com um vistoso porta-cartas de papelão filigranado, dependurado de uma desbotada fita azul, presa bem nomeio do consolo da lareira. Nesse porta-cartas, que tinha três ou quatro divisões, havia cinco ou seis cartões de visita e uma carta solitária. Esta última estava muito suja e amarrotada e quase rasgada ao meio, come se alguém, num primeiro impulso, houvesse pensado em inu­tilizá-la como coisa sem importância, mas, depois, mudado de opinião. Tinha um grande selo negro, com a inicial “D” bastante visível, e era endereçada, numa letra diminuta e feminina, ao próprio ministro. Estava enfiada, de maneira descuidada e, ao que parecia, até mesmo desdenhosa, numa das divisões superiores do porta-cartas.
"Mal lancei os olhos sobre a carta, concluí que era aquela que eu procurava. Era, na verdade, sob todos os aspectos, radicalmente diferente da que o delegado nos descrevera de maneira tão minuciosa. Na que ali estava. o selo era negro e a inicial um "D" na carta roubada, o selo era vermelho e tinha as armas ducais da família S...
Aqui, o endereço do ministro fora traçado com letra feminina muito pequena; na outra, o sobrescrito, dirigido a certa personalidade real, era acentuadamente ousado e incisivo. Somente no tamanho havia uma certa correspon­dência. Mas, por outro lado, a grande diferença entre ambas as cartas, a sujeira, o papel manchado e rasgado, tão em desacordo com os verdadeiros hábitos de D. . ., e que revelavam o propósito de dar a quem a visse a idéia de que se tratava de um documento sem valor, tudo isso, aliado á colocação bem visível do documento, que o punha diante dos olhos de qualquer visitante, ajustando-se perfei­tamente às minhas conclusões anteriores, tudo isso, repito, corroborava decididamente as suspeitas de alguém que, como eu, para lá me dirigira com a intenção de suspeitar.
"Prolonguei minha visita tanto quanto possível e, enquan­to mantinha animada conversa com o ministro, sobre um tema que sabia não deixara jamais de interessá-lo e entu­siasmá-lo, conservei a atenção presa á carta. Durante esse exame, guardei na memória o aspecto exterior e a dispo­sição dos papéis no porta-cartas, chegando, por fim, a uma descoberta que dissipou por completo qualquer dúvida que eu ainda pudesse ter. Ao observar atentamente as bordas do papel, verifiquei que as mesmas estavam mais estragadas do que parecia necessário, Apresentavam o aspecto irregular que se nota quando um papel duro, depois de haver sido dobrado e prensado numa dobradeira, é dobrado novamente em sentido contrário, embora isso seja feito sobre as mesmas dobras que constituíam o seu formato anterior. Bastou-me essa descoberta. Era evidente para mim que a carta fora dobrada ao contrário, como uma luva que se vira no avesso, sobrescrita de novo e novamente lacrada. Despedi-me do ministro e sai inconti­nente, deixando uma tabaqueira de ouro sobre a mesa.
"Na manhã seguinte, voltei à procura de minha taba­queira, ocasião em que reiniciamos, com bastante vivaci­dade, a conversa do dia anterior. Enquanto palestrávamos, ouvimos forte detonação de arma de fogo bem defronte do Hotel, seguida de uma série de gritos horríveis e do vozerio de uma multidão. D. . . precipitou-se em direção da janela, abriu-a e olhou para baixo. Entrementes, aproximei-me do porta-cartas, apanhei o documento, meti-o no bolso e o substituí por um fac-símile (quanto ao que se referia ao aspecto exterior) preparado cuidadosamente em minha casa, imitando facilmente a inicial "D" por meio de um elo feito de miolo de pão.
            "O alvoroço que se verificara na rua fora causado pelo procedimento insensato de um homem armado de mos­quete. Disparara-o entre uma multidão de mulheres e crian­ças. Mas, como a arma não estava carregada senão com pólvora seca, o indivíduo foi tomado por bêbado ou luná­tico, e permitiram-lhe que seguisse seu caminho. Depois que o homem se foi, D. . .retirou-se da janela da qual eu também me aproximara logo após conseguir a carta. Decorri­do um instante, despedi-me dele. O pretenso lunático era um homem que estava a meu serviço."
            — Mas o que pretendia você — perguntei — ao subs­tituir a carta por um fac-símile? Não teria sido melhor, logo na primeira visita, tê-la apanhado de uma vez e ido embora?
            — D. . . — respondeu Dupin — é homem decidido de grande coragem. Além disso, existem, em seu hotel, criados fiéis aos seus interesses. Tivesse eu feito o que você sugere, talvez não conseguisse sair vivo de sua pre­sença "ministerial". A boa gente de Paris não ouviria mais notícias minhas. Mas, à parte estas considerações, eu tinha um fim em vista. Você sabe quais são minhas simpatias políticas. Nesse assunto, ajo como partidário da senhora em apreço. Durante dezoito meses, o ministro a teve à sua mercê. Agora, é ela quem o tem a ele, já que ele ignora que a carta já não está em seu poder e continuará a agir como se ainda a possuísse. Desse modo, encaminha-se, inevitavelmente, sem o saber, rumo à sua própria ruína política. Sua queda será tão precipitada quanto desastrada. Está bem que se fale do facilis descensus Averni, mas em toda a espécie de ascenção, como dizia Catalani em seus cantos, é muito mais fácil subir que descer. No presente caso, não tenho simpatia alguma — e nem sequer piedade — por aquele que desce. És esse monstrum horrendum — o homem genial sem princípios. Confesso, porém, que gostaria de conhecer o caráter exato de seus pensamentos quando, ao ser desafiado por aquela a quem o delegado se refere como "uma certa pessoa", resolva abrir o papel que deixei em seu porta-cartas.
     — Como! Você colocou lá alguma coisa particular?
     — Ora, não seria inteiramente correto deixar o interior em branco. . . Seria uma ofensa. Certa vez, em Viena, D. . . me pregou uma peça, e eu lhe disse, bem-humorado, que não me esqueceria daquilo. De modo que, como sabia que ele iria sentir certa curiosidade sobre a identidade da pessoa que o sobrepujara em astúcia, achei que seria uma pena deixar de dar-lhe um indício. Ele conhece bem minha letra e, assim, apenas copiei, no meio da tolha em branco, o seguinte:
... un dessein si funeste,
s’il n’est digne d’Artrée, est digne de Thyest.
São palavras que podem ser encontradas em Ar trée, de Crébillon.


POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. ---------------: Victor Civita, 1981. Tradução de Brenno Silveira e outros.

Mais sobre o autor: Edgar Allan Poe 

sábado, 1 de janeiro de 2011

O outro, Jorge Luiz Borges

O fato ocorreu no mês de fevereiro de 1969, ao norte de Bos­ton, em Cambridge. Não o escrevi imediatamente, porque meu primeiro propósito foi esquecê-lo para não perder a razão. Agora, em 1972, penso que, se o escrevo, os outros o lerão como um conto e, com os anos, o será talvez para mim.
Sei que foi quase atroz enquanto durou e mais ainda durante as noites desveladas que o seguiram. Isto não significa que seu relato possa comover a um terceiro.
Seriam dez da manhã. Eu estava recostado em um banco, defronte ao rio Charles. A uns quinhentos metros à minha direita havia um alto edifício cujo nome nunca soube. A água cinzenta carregava grandes pedaços de gelo. Inevitavelmente, o rio fez com que eu pensasse no tempo. A milenar imagem de Heráclito. Eu havia dormido bem; minha aula da tarde anterior havia conse­guido, creio, interessar aos alunos. Não havia ninguém à vista.
Senti, de repente, a impressão (que, segundo os psicólogos, corresponde aos estados de fadiga) de já ter vivido aquele mo­mento. Na outra ponta de meu banco, alguém se havia sentado.
Teria preferido estar só, mas não quis levantar em seguida, para não me mostrar descortês. O outro se havia posto a assobiar. Foi então que ocorreu a primeira das muitas inquietações dessa manhã. O que assobiava, o que tentava assobiar (nunca fui muito entoado), era o estilo crioulo de La Tapera de Elias Regules. O estilo me reconduziu a um pátio lá desaparecido e à memória de Álvaro Mellián Lafinur, morto há muitos anos. Logo vieram as pala­vras. Eram as da décima do princípio. A voz não era a de Álvaro, mas queria parecer-se com a de Álvaro. Reconheci-a com horror.
Aproximei-me e disse-lhe:
- O senhor é oriental ou argentino?
- Argentino, mas desde o ano de 1914 vivo em Genebra - foi a resposta.
Houve um silêncio longo. Perguntei-lhe:
- No número dezessete da Malagnou, em frente à igreja russa?
Respondeu-me que sim.
- Neste caso - disse-lhe resolutamente - o senhor se chama Jorge Luis Borges. Eu também sou Jorge Luis Borges. Esta­mos em 1969, na cidade de Cambridge.
- Não - respondeu-me com a minha própria voz um pouco distante.
Ao fim de um tempo insistiu:
- Eu estou aqui em Genebra, em um banco, a alguns passos do Ródano. 0 estranho é que nos parecemos, mas o senhor é muito mais velho, com a cabeça grisalha.
Respondi:
- Posso te provar que não minto. Vou te dizer coisas que um desconhecido não pode saber. Lá em casa há uma cuia de prata com um pé de serpentes, que nosso bisavô trouxe do Peru. Há também uma bacia de prata que pendia do arção. No armário do teu quarto, há duas filas de livros. Os três volumes das Mil e Uma Noites de Lane, com gravações em aço e notas em corpo menor entre os capítulos, o dicionário latino de Quicherat, a Germania de Tácito em latim e na versão de Gordon, um Dom Quixote da casa Garnier, as Tábuas de Sangue de Rivera Indarte, o Sartor Resartus de Carlyle, uma biografia de Amiel e, escondido atrás dos demais, um livro em brochura sobre os costumes sexuais dos povos balcânicos. Não esqueci tampouco um entardecer em um primeiro andar da praça Dubourg.
- Dufour - corrigiu.
- Está bem. Dufour. Te basta, tudo isto?
- Não - respondeu. -Essas provas não provam nada. Se eu estou sonhando, é natural que eu saiba o que sei. Seu catálogo prolixo é totalmente vão.
A objeção era justa. Respondi:
- Se esta manhã e este encontro são sonhos, cada um de nós dois tem que pensar que o sonhador é ele. Talvez deixemos de sonhar, talvez não. Nossa evidente obrigação, enquanto isto, é aceitar o sonho, como aceitamos o universo e termos sido engendrados e olharmos com os olhos e respirarmos.
- E se o sonho durasse? - disse com ansiedade.
Para tranqüilizá-lo e me tranqüilizar, fingi uma serenidade que certamente eu não sentia. Disse-lhe:
- Meu sonho já durou setenta anos. Afinal de contas, ao rememorar, não há pessoa que não se encontre consigo mesma. É o que nos está, acontecendo agora, só que somos dois. Não queres saber alguma coisa de meu passado, que é o futuro que te espera?
Assentiu sem uma palavra. Prossegui, um pouco perdido:
- A mão está saudável e bem, em sua casa de Charcas y Maipú, em Buenos Aires, mas o pai morreu há uns trinta anos. Morreu do coração. Uma hemiplegia o liquidou; a mão esquerda posta sobre a mão direita era como a mão de uma criança posta sobre a mão de um gigante. Morreu com impaciência de morrer, mas sem uma queixa. Nossa avó havia morrido na mesma casa. Alguns dias antes do fim chamou-nos a todos e disse-nos: 'Sou uma mulher muito velha que está morrendo muito devagar. Que ninguém se perturbe por uma coisa tão comum e corrente". Norah, tua irmã, se casou e tem dois filhos. A propósito, em casa como estão?
- Bem. O pai sempre com seus gracejos contra a fé. Ontem à noite disse que Jesus era como os gaúchos que não querem se comprometer e que, por isto, pregava através de parábolas.
Vacilou e disse:
- E o senhor?
- Não sei o número de livros que escreverás, mas sei que são demasiados. Escreverás poesias que te darão uma satisfação não partilhada e contos de índole fantástica. Darás aulas como teu pai e como tantos outros de nosso sangue.
Agradou-me que nada perguntasse sobre o fracasso ou êxito dos livros. Mudei de tom e prossegui:
- No que se refere à História... Houve outra guerra, quase entre os mesmos antagonistas. A França não tardou a capitular; a Inglaterra e a América travaram contra um ditador alemão, que se chamava Hitler, a cíclica batalha de Waterloo. Buenos Aires, ao redor de mil novecentos e quarenta e seis, engendrou outro Ro­sas, bastante parecido com nosso parente. Em cinqüenta e cinco, a província de Córdoba nos salvou, como antes Entre Rios. Agora, as coisas andam mal. A Rússia está se apoderando do planeta; a América, travada pela superstição da democracia, não se resolve a ser um império. Cada dia que passa nosso país está mais provin­ciano, Mais provinciano e mais presunçoso, como se fechasse os olhos. Não me surpreenderia se o ensino do latim fosse substi­tuído pelo do guarani.
Notei que mal me prestava atenção. O medo elementar do impossível, e no entanto certo, o aterrorizava. Eu, que não fui pai, senti por esse pobre moço, mais íntimo que um filho da minha carne, uma onda de amor. Vi que apertava entre as mãos um livro. Perguntei-lhe o que era.
- Os possessos ou, segundo creio, Os Demônios, de Feodor Dostoiewski - me replicou não sem vaidade.
- Já o esqueci. Que tal é?
Nem bem o disse, senti que a pergunta era uma blasfêmia.
- O mestre russo - sentenciou - penetrou mais que nin­guém nos labirintos da alma eslava.
Essa tentativa retórica me pareceu uma prova de que se havia acalmado.
Perguntei-lhe que outros volumes do mestre havia percorrido. Enumerou dois ou três, entre eles O Sósia.
Perguntei-lhe se, ao lê-los, distinguia bem as personagens, como no caso de Joseph Conrad, e se pensava prosseguir o exame da obra completa.
- A verdade é que não - respondeu-me com uma certa sur­presa.
Perguntei-lhe o que estava escrevendo e disse que preparava um livro de versos que se chamaria Os hinos vermelhos. Também havia pensado em Os ritmos vermelhos.
- Por que não? - disse-lhe. - Podes alegar bons anteceden­tes. O verso azul de Rubén Darío e a canção gris de Verlaine.
Sem me fazer caso, esclareceu que seu livro contaria a frater­nidade entre todos os homens. O poeta de nosso tempo não pode voltar as costas à sua época.
Fiquei pensando e perguntei-lhe se verdadeiramente se sentia irmão de todos. Por exemplo, de todos os empresários de pompas fúnebres, de todos os carteiros, de todos os escafandristas, de to­dos os que vivem nas casas de números pares, de todos os afôni­cos, etc. Disse-me que seu livro se referia à grande massa dos oprimidos e dos párias.
- Tua massa de oprimidos e párias - respondi - não é mais que uma abstração. Só os indivíduos existem, se é que existe al­guém. O homem de ontem não é o homem de hoje, sentenciou algum grego. Nós dois, neste banco de Genebra ou Cambridge, somos talvez a prova.
Salvo nas severas páginas da História, os fatos memoráveis prescindem de frases memoráveis. Um homem a ponto de morrer quer se lembrar de uma gravura entrevista na infância; os solda­dos que estão por entrar na batalha falam do barro ou do sar­gento. Nossa situação era única e, francamente, não estávamos preparados. Falamos, fatalmente, de literatura; temo não haver dito outras coisas que as que costumo dizer aos jornalistas. Meu alter ego acreditava na invenção ou descobrimento de metáforas novas; eu, nas que correspondem a afinidades íntimas e notórias e que nossa imaginação já aceitou. A velhice dos homens e o acaso, os sonhos e a vida, o correr do tempo e da água. Expus-lhe esta opinião que haveria de expor em um livro anos depois.
Quase não me escutava. De repente, disse:
- Se o senhor foi eu, como explicar que tenha esquecido seu encontro com um senhor de idade que, em 1918, lhe disse que ele também era Borges?
Não havia pensado nessa dificuldade. Respondi, sem convic­ção:
- Talvez o fato tenha sido tão estranho que eu tenha tratado de esquecê-lo.
Aventurou uma tímida pergunta:
- Como anda sua memória?
Compreendi que, para um moço que não havia feito vinte anos, um homem de mais de setenta era quase um morto. Res­pondi:
- Costuma parecer-se com o esquecimento, mas ainda en­contra o que lhe pedem. Estou estudando anglo-saxão e não sou o último da classe.
Nossa conversação já havia durado demais para ser a de um sonho. Uma súbita idéia me ocorreu.
- Eu posso te provar imediatamente - disse-lhe - que não estás sonhando comigo. Ouve bem este verso, que nunca leste, que eu me lembre.
Lentamente entoei o famoso verso:
L'hydre - univers tordant son corps ecaillé d'astres.
Senti seu quase temeroso estupor. Repetiu-o em voz baixa saboreando cada resplandescente palavra.
- É verdade - balbuciou - Eu não poderei nunca escrever um verso como este.
Antes, ele havia repetido com fervor, agora recordo, aquela breve peça em que Walt Whitman rememora uma noite comparti­lhada diante do mar em que foi realmente feliz.
- Se Whitman a cantou – observei - é porque a desejava e não aconteceu. O poema ganha se não adivinhamos que é a manifestação de um anelo. Não a história de um fato.
Ficou a me olhar.
- O senhor não o conhece - exclamou. - Whitman é incapaz de mentir.
Meio século não passa em vão. Sob nossa conversação de pessoas de leitura miscelânea e de gostos diversos, compreendi que não podíamos nos entender. Éramos demasiado diferentes e demasiado parecidos. Não podíamos nos enganar, o que torna o diálogo difícil. Cada um de nós dois era o arremedo caricaturesco do outro. A situação era anormal demais  para durar  muito mais tempo. Aconselhar ou discutir era inútil, porque seu inevitável destino era ser o que sou.
De repente, lembrei uma fantasia de Coleridge. Alguém sonha que atravessa o paraíso e lhe dão como prova uma flor. Ao despertar, ali esta a flor.
Ocorreu-me artifício semelhante.
- Ouve – disse-lhe -, tens algum dinheiro?
- Sim me replicou. - Tenho uns vinte francos. Esta noite convidei Simón Jichlinski ao Crocodile.
- Diz a Simón que exercerá a medicina em Carouge e que fará muito bem... agora, me dá uma de tua moedas.
Tirou três escudos de poeta e umas peças menores. Sem com­preender, me ofereceu um dos primeiros.
Eu lhe estendi uma dessas imprudentes notas americanas que têm valor muito diferente e o mesmo tamanho. Examinou-a com avidez.
- Não pode ser – gritou. – Leva a data de mil novecentos e sessenta e quatro.
(Meses depois, alguém me disse que as notas de banco não levam data.)
- Tudo isto é um milagre - conseguiu dizer - e o milagroso dá medo. Os que foram testemunhas da ressurreição de Lázaro terão ficado horrorizados.
Não mudamos nada,  pensei. Sempre as referências livrescas.
Fez a nota em pedaços e guardou a moeda.
Eu resolvi lançá-la ao rio. O arco do escudo de praia perdendo-se no rio de prata teria conferido à minha história uma imagem vivida, mas a sorte não quis assim.
Respondi que o sobrenatural, se ocorre duas vezes, deixa de ser aterrador. Propus a ele que nos víssemos no dia seguinte, nesse mesmo banco que está em dois tempos e dois lugares.
Assentiu logo e me disse, sem olhar o relógio, que já era tarde. Os dois mentíamos e cada qual sabia que seu interlocutor estava mentindo. Disse-lhe que viriam me buscar.
- Buscá-lo? - interrogou.
- Sim. Quando alcançares a minha idade, terás perdido a vi­são quase por completo. Verás a cor amarela, sombras e luzes. Não te preocupes. A cegueira gradual não é uma coisa trágica. É como um lento entardecer de verão.
Despedimo-nos sem nos termos tocado. No dia seguinte, não fui. O outro tampouco terá ido. Meditei muito sobe esse encontro, que não contei a ninguém. Creio ter descoberto a chave. O encontro foi real, mas o outro conversou comigo em um sonho e foi assim que pude me esquecer. Eu conversei com ele na vigília e a lembrança ainda me atormenta.
O outro me sonhou, mas não me sonhou rigorosamente. Sonhou, agora o entendo, a impossível data no dólar.

BORGES, Jorge Luis. O Livro de Areia. Porto Alegre: Editora Globo, 1978. Trad. Lígia Morrone Averbuck.

Borges: vida e obra CONFIRAM AQUI!